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“1998 foi o ano da Expo, da luta contra a SIDA, dos rolos de filme Kodak que tiravam no máximo 36 fotografias, de Timor, do pacman e do tamagochi, do Diácono Remédios e do Alentejo, com a loucura do dia-a-dia, e o “Boa tarde, Ti Manel”. Já nesta altura, a publicidade era um reflexo da sociedade. Foi um ano que produziu ideias que 20 anos depois continuam na nossa memória colectiva, mesmo não existindo na altura redes sociais, truques digitais nem ondas virais.
Não havia uma internet cheia de referências, não existiam likes como critério de qualidade, mas havia boas ideias, simples, inteligentes, relevantes, capazes de inspirar gerações de criativos e ainda hoje serem recordadas com um carinho imenso pelos consumidores da altura. Tal como existem hoje. Afinal, uma boa ideia é uma boa ideia, e por isso não envelhece. Em 98, faziam-se trocadilhos com bilhas e campanhas de headlines. Piadas com alentejanos e mulheres “boas”, em lugar de mensagens mais inclusivas e mobilizadoras como as de hoje. O público ainda não tinha voz. Também se faziam trocadilhos visuais e pós-produções avançadas para a época, como as alfaces das Amoreiras, que agora nos parecem muito toscas. Em 98, o Photoshop não fazia milagres. A publicidade fazia-nos rir, e isso lembra-nos que ela tem esse poder. A Galp era uma marca com humor e fazia anúncios com o Diácono Remédios, e a Olá já andava a tentar convencer-nos a comer gelados no inverno. Foi um ano de ideias que não envelheceram, apesar dos seus layouts estarem hoje cheios de rugas. Ainda só existiam anúncios com formato de anúncio, e muito deles podiam existir hoje, talvez vestidos de banner ou de post de facebook.
Já nesse ano, o que o CCP premiava eram sobretudo boas ideias. Tal como agora, existiam grandes ideias com um forte insight por detrás, materializados num copy e numa direcção de arte fora-de-série, e produção ao mesmo nível. A internet dava os primeiros passos, por isso era preciso dizer às pessoas para irem lá ver as marcas. Faziam-se anúncios de imprensa para divulgar a página web da CP. Na profissão, não tínhamos todas as ideias do mundo disponíveis à distancia de um clic. Os festivais de publicidade ainda tinham poucas categorias, o que nos dá a sensação de que, por muito que elas agora se multipliquem, o que continua a prevalecer é a qualidade de uma boa ideia. Algumas ideias eram originais na altura, mas entretanto tornaram-se uma fórmula que agora rejeitamos. Algumas marcas tinham coragem de falar mal de si próprias, como o queijo Limiano, o que parece impossível de aprovar hoje. Já existia publicidade com insights, alguns deles com tanto valor, como os 5 kms/hora da Mercedes, que vieram a dar ouro em Cannes a outro país alguns anos mais tarde. O craft era linear, fotografia em imprensa e outdoor, filmes a contar histórias “one shot”, e havia zero necessidade de criar narrativas que pudessem crescer noutros suportes e trazer o público para a conversa. Foi um ano de enorme liberdade criativa, sem o machado das redes sociais encostado ao pescoço 24/7. Ainda não se usava a palavra storytelling. Havia miúdos que gravavam anúncios em cassetes. Quem era criança na altura achará que os mais velhos terão vontade de dizer agora “no meu tempo é que era” quando olham para 98. Foi um ano em que a publicidade ainda tinha tomates.”
Este texto não foi escrito por mim. Ele é uma colagem dos comentários de 20 criativos de agora, sobre os melhores anúncios portugueses de 1998: Ana Magalhães/Y&R Lisboa, André Sousa Moreira/Y&R Madrid, André Alves Afonso/Nossa, César Sousa/Funny How, Francisco Carvalho/Uzina, Freddy Brando/Publicis, Gonçalo Santos/Opal, Gonçalo Martinho/Kiss, Ivo Martins/Fuel, José Gomes/DDB Berlim, Luiz Medeiros/Comon, Mafalda Quintela/The Hotel, Pedro Santos/JWT, Pedro Vicente/BBDO, Ricardo Lourenço/Jack the Maker, Roberta Batista/FCB, Samuel Simões/Solid Dogma, Sara Pinto/Partners, Sérgio Gomes/O Escritório e Nádia Pinto, freelancer. Em 1998, nenhum deles trabalhava em publicidade.
Eles são o júri da “Shortlist 98”, uma shortlist anacrónica que organizei para o Festival do Clube de Criativos que agora faz 20 anos. Pedi a este júri que julgasse e comentasse, com os seus olhares de agora, o trabalho do primeiro anuário do CCP. Podem ver o resultado numa parede do Festival, de 16 a 20 de Maio, no Pólo Cultural de S. Vicente, junto ao Mercado de Santa Clara, na exposição Novas Glórias, organizada pelo Marco Dias e pelo Manuel Peres.
Iremos ao Mercado de Santa Clara sobretudo para ver o novo, à procura do melhor que se faz em Portugal agora, em 2018, afinal é para isso que serve um Festival de Criatividade. Mas o novo vem sempre de algum lugar, e para muitos de nós, criativos portugueses, ele também tem vindo daqui: destes 20 anos de um Clube cujo único fim é inspirar-nos a fazer mais e melhor.
Vida longa ao CCP e vemo-nos no mercado de Santa Clara, que isto não é para velhos.
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