Porque é que andamos todos “queimados”?

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A opinião de Joana Santos Silva
Porque é que andamos todos “queimados”?
28 de Junho de 2023
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Porque é que andamos todos “queimados”?
Joana Santos Silva
Professora de Estratégia e Inovação – ISEG, Universidade de Lisboa
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Em parte, este artigo serve de partilha de uma experiência pessoal. Este mês, pela primeira vez na minha vida participei num retiro. Tinha uma parte wellness com massagens (Obrigada Sue!), mas era muito mais profundo do que isso.


As manhãs começavam com um exercício de mindfulness matinal, havia vários workshops ao longo do dia e a partir das 21h30 até às 8h30 do dia seguinte era necessário observar um período designado de “Noble Silence” que inclui a prática da não utilização de aparelhos eletrónicos. Para quem me conhece sabe que este período representaria o meu maior desafio. Passar o pequeno-almoço numa sala com outras pessoas e não abrir a boca não é bem o meu forte! Aliás, uma amiga próxima gentilmente tinha-me oferecido um plano B, ou seja, se tudo corresse mal eu poderia ficar em casa dela sem que a minha família soubesse.


Em jeito de desabafo, esta semana fez-me imensamente bem. Como mãe e profissional com horários incertos que muitas vezes me obrigam a não estar presente à hora de jantar e outros acontecimentos familiares e sociais, tomar a decisão de estar uma semana sozinha não foi fácil. Primeiro, é preciso ultrapassar o sentimento de culpa que nos está tão bem enraizado e depois temos de nos ajustar à nova realidade de estarmos a fazer atividades centradas com um intuito individualista. Também é algo que não ocorre de forma natural. Pela primeira vez na minha vida, participei em aulas de ioga, cantei em público em idade adulta, dancei como se ninguém estivesse a olhar e passei muito tempo a respirar. Mesmo respirar!


Mas o ponto desta partilha não é apenas de explicar em que é que consistiu o meu mini-break, mas a necessidade do mesmo. Faz mais de 20 anos que trabalho a tempo integral sem intervalos, a exceção tendo sido uma licença de maternidade. Este sentimento de correria constante, entre trabalho e família deixa muito pouco tempo para parar, pensar e respirar. Estou certa de que não serei a única a ser consumida pelas exigências do dia-a-dia com pouco tempo de sobra para refletir ou simplesmente rir.


A outra componente extraordinária desta minha experiência foi a oportunidade de ter conhecido pessoas fantásticas, cheias de talento, sentido de humor e genuína camaradagem e que se encontravam em fases diferentes de necessidade de pausa, de exaustão ou mesmo de burnout. E foi isto que me inspirou para esta partilha. Conhecer pessoas jovens, algumas com menos 15 anos do que eu, que se encontravam em fases de recuperação de burnout fez-me refletir sobre como é que as exigências do mundo moderno estão a impactar a sociedade.


O burnout foi reconhecido pela primeira vez em 2019 pelo Organização Mundial de Saúde e caracteriza-se por causar cansaço físico e mental, de que não se recupera mesmo depois de um período de descanso. As pessoas sentem-se irritáveis, com dificuldade em se motivarem e com tendência a terem sentimentos negativos. Se consideram esta patologia de menor impacto, estima-se que o burnout pré-pandémico foi responsável por 2,8 milhões de mortes por ano. E a pandemia COVID-19 só veio agravar a situação. Em Portugal, 81% dos trabalhadores sente-se em risco de burnout em 2023 face a 63% em 2020. Aliás, Portugal é o país da União Europeia com maior risco de burnout.


O burnout não é apenas um estado emocional. É de notar que a resiliência psicológica e a saúde física e mental estão interligadas. Vários estudos demonstram que burnout pode modificar fisicamente o cérebro através do desbaste da massa cinzenta no córtex pré-frontal que nos ajuda a ter reações adequadas a desafios, a tomar decisões complexas e é responsável pelo raciocínio abstrato. O burnout aumenta ainda a amígdala que é responsável pela resposta “luta ou fuga”, ou seja, os sentimentos de medo intensificam-se. A combinação destes dois efeitos é preocupante.


Esta epidemia, que se está a tornar cada vez mais prevalente, carece de uma política de ataque concertada que ultrapassa wellness e aulas de ginástica no local de trabalho. A nível mundial, 85% da força de trabalho afirma que o seu bem-estar está a piorar, ou seja, estas ações cosméticas não estão a funcionar! Estamos perante uma nova crise endémica, mas faltam-nos as ferramentas para tratar da mesma com eficácia.


A cultura e o ambiente das organizações têm um papel fundamental para melhorar o bem-estar dos colaboradores. Um ambiente que permite melhorar eficácia e resiliência a nível individual é imprescindível para mitigar o risco de burnout. Ao contrário, um ambiente que não seja recetivo a feedback, que prejudica o estado emocional do colaborador e que reforça atitudes negativas cria o ambiente perfeito para a proliferação de burnout.


Passamos mais de 50% do nosso tempo a trabalhar. É preciso criar ambientes que protejam os colaboradores e estimulem a produtividade de forma saudável. Aqui, o papel da liderança da empresa é essencial. Um líder tem de garantir que o local de trabalho seja saudável. O livro da Cristina Amaro, Chief Love Officer é de facto pertinente, pois associa esta necessidade de maior empatia e de inteligência emocional à capacidade que uma organização tem para garantir resultados. Podem chamar-lhe amor, inteligência emocional ou simplesmente bom senso, mas em grande medida é o que está a faltar na maioria das organizações e estamos todos a pagar um custo enorme.


A par da responsabilidade por parte das organizações, como indivíduos, temos de tomar ações para preservar o nosso bem-estar. Existem ações que ajudam a combater os sintomas de burnout ou evitar os mesmos. A par de uma boa higiene de sono e alimentar, que são indispensáveis para manter um bom estado de saúde, momentos de autocuidado não são frívolos, mas antes imperiosos. Participar em atividades que aumentam a nossa autoestima e sensação de autorrealização ajudam a diminuir a sensação de esgotamento. Exercício físico, meditação, contacto com a natureza ou dar uma festa ao nosso cão, podem ser micro-momentos de autorregulação.


Por outro, participar em atividades em que exercitamos a compaixão pelos outros melhora o nosso sentimento de pertença. Essas podem ser mentoria, voluntariado ou apenas uma boa conversa ou a prática do elogio. Julgo que em Portugal, temos muito caminho para percorrer na área do elogio! Pequenos gestos têm imenso impacto nos outros e em nós próprios. Deve ter sido por isso que durante o retiro o elemento da comunidade foi aquele que mais valorizei. Ajudar outros é uma forma indireta de legitimar a perceção do nosso próprio valor.


E claro, a força da nossa rede de contactos sociais é essencial para um bom equilíbrio e estado de saúde. Não me refiro às ligações em plataformas eletrónicas, mas antes às pessoas que nos são queridas. Existe uma citação famosa de Alexander Chalmers que diz “Os três grandes fundamentos da felicidade são: ter algo para fazer, ter alguém para amar e ter algo pelo qual esperar”. O ser humano precisa de interações interpessoais ricas para se desenvolver e ser feliz. Não podemos descurar que também vivemos num mundo com uma crise de solidão. É um paradoxo que no mundo hipercontectado e ligado, sentimos-mos cada vez mais sozinhos. O assunto é tão complexo que a Teresa May criou um ministério da solidão e respetiva estratégia para combater este efeito no Reino Unido em 2018.


As fontes de stress e de incerteza sempre existiram no mundo, mas vivemos numa realidade 24h/24h, sempre ligados e com uma pressão enorme de ter êxito a nível pessoal e profissional e isto está a desgastar-nos. Temos que priorizar o autocuidado e investir tempo em atividades de valor acrescentado para nós. Temos que ganhar perspetiva sobre o que é realmente urgente, prioritário e importante. Ter prioridades bem estabelecidas ajuda-nos a navegar um mundo repleto de exigências esmagadoras. E por fim, não esquecer de introduzir alegria nas nossas tarefas. Temos de evitar momentos baixos, mas também devemos planear os momentos bons. Há quanto tempo que não faz algo novo só pelo facto de ser divertido?


Eu vim do meu retiro com vontade de implementar a minha nova visão de equilíbrio work-life e maior felicidade: definir prioridades, praticar a dizer não, elogiar, ter mais compaixão pelos outros e por mim, e tirar micro-momentos de autocuidado, pois são esses que me valorizam.


Fica o desafio. Estamos a entrar na época balnear e pode ser o momento indicado para introduzir novas atividades e rotinas, para usufruir mais da vida e evitar desta epidemia de burnout à qual ninguém está imune. Ao conhecer os sintomas e causas, podemos criar estratégias para carreiras mais sustentáveis, uma vida mais feliz e saudável.


Cuidem-se, sejam felizes e desejos de boas férias!


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