Quero apresentar-vos uma criança que nasceu com um propósito. O propósito de levar a que todo o universo que o rodeava questionasse sobre o mundo em que tinham vivido, até então. Não foram necessárias muitas horas de vida para ser, desde logo, rotulado como uma criança diferente, fora dos ditos padrões normais e com um futuro incerto. Naquele corpo, tudo aconteceu depois do suposto: gatinhou tarde, falou tarde, andou tarde... e nunca chegará a correr. Mentalmente, uma cabeça muito à frente do seu tempo, dotado de uma imaginação incrível, uma criatividade e capacidade de argumentação inesgotáveis.

É estado puro de felicidade quando, meio despido e descalço, caminha rápido pelos campos, com um pau na mão direita, a sonhar com um futuro que ainda desconhece, mas que espera justo. Nesses dias, sente saudades da escola, pois tem na amizade um dos seus maiores trunfos, ainda que estudar seja  um verbo que prefere que ninguém se lembre de verbalizar. A escola, que não o premeia por ser um aluno brilhante, é a mesma que o distingue em tudo o que respeita a valores e atitudes. Se, fisicamente, a sua fragilidade permite que o derrubem, combate o preconceito com uma inteligência emocional que tantos, para não dizer todos, gostariam e/ou deveriam ter.

A história continua e esta criança cresceu. E como todas as outras é agora um adulto, que fez o seu caminho  e está a chegar ao mercado de trabalho. Na verdade, é só um jovem adulto entre tantos outros, ou assim deveria ser.

Num mundo que valoriza cada vez mais a diversidade, as organizações enfrentam hoje, simultaneamente, o desafio e a oportunidade de se adaptar a um ambiente em constante mudança. Uma oportunidade que não deve, nem pode ser ignorada ou descurada. A verdadeira riqueza de uma equipa reside nas diferenças que cada pessoa, na sua singularidade, traz. Não apenas em termos de habilitações ou experiências, mas também de opiniões, perspetivas e personalidades.

No entanto, a questão que se coloca é: estamos realmente preparados para aceitar e valorizar essas diferenças? E só mais esta: estaremos assim tão dispostos a “contratar desconforto”?

As organizações e as lideranças procuram contratar talento dotado de competências técnicas, naturalmente, mas cada vez mais, o enfoque recai nas chamadas “soft skills”. Empatia, resiliência, criatividade, foco, atenção ao detalhe, atitude positiva, capacidade de adaptação são só algumas das muitas características a que hoje, não só não somos alheios, mas que mais se valorizam. E aqui chego aos  ditos “diferentes”. Os que vivem a sua vida a enfrentar e a ultrapassar adversidades diárias. Os que, constantemente, são chamados a utilizar a criatividade para se adaptarem a diferentes circunstâncias; os que observam detalhes que muitos ignoram; os que identificam injustiças e trabalham (para não dizer lutam) por mudanças. E tudo isto, quase  poderia soar a razoável, não fosse fazerem-no sempre com uma atitude extraordinariamente positiva, que inspira tantos ao seu redor. Parece-me facilmente comprovável que estas competências são uma analogia quase perfeita das “soft skills” mais procuradas. Não só nas novas contratações podemos e devemos querer contratar diferente. Se olharmos com atenção para dentro, constataremos, seguramente, imensas diferenças entre todos, umas mais evidentes e/ou valorizadas do que outras.

A diversidade não se esgota nas questões relacionadas com a  deficiência, pelo contrário, contempla uma diversidade de características, que incluem o género, raça, idade, orientação sexual, cultura e, sobretudo,  a opinião de cada um. Num ambiente organizacional saudável, a troca de ideias e a discussão de pontos de vista divergentes são fundamentais para a inovação. Cultivar uma cultura organizacional segura, que permita que cada um se sinta seguro para expressar as suas opiniões únicas, abre um espaço fértil para a criatividade e a resolução de problemas.

Claro que a aceitação da diferença não é automática. Muitas organizações ainda lutam com a resistência à mudança e à conformidade cultural. As estruturas hierárquicas mais rígidas podem sufocar vozes diferentes, levando a um ambiente onde apenas as ideias que se alinham com a norma são ouvidas. Isso, não só limita o potencial criativo, mas também desencoraja a autenticidade dos colaboradores. Quando as pessoas sentem que precisam de se encaixar num molde para serem valorizadas, a inovação e a verdadeira colaboração sofrem e com elas sofre, necessariamente, a performance da organização.

Para que as organizações se tornem verdadeiramente inclusivas, é necessário assumir um compromisso genuíno com a mudança. Isso implica criar uma cultura onde a diferença seja celebrada e não apenas tolerada. É crucial que líderes e gestores adotem uma abordagem proactiva, implementando políticas que promovam a diversidade, de forma transversal, em todos os níveis da hierarquia. Uma abordagem que pressupõe a adoção de  práticas de recrutamento que procurem talentos de diversas origens, além do investimento em formações, direcionados para o combate aos preconceitos inconscientes e que promovam a empatia.

A diferença é uma força poderosa, que pode levar a descobertas surpreendentes e soluções inovadoras. Prepararmo-nos para liderar pessoas diferentes é, mais do que uma estratégia de negócios, um imperativo ético. Quando as organizações reconhecem e valorizam a singularidade de cada indivíduo, não constroem apenas culturas mais ricas, contribuem para um futuro mais justo, equitativo e sustentável.

É na nossa capacidade de celebrar a diferença que reside, seguramente, o motor de inovação e crescimento, que nos conduzirá a um futuro de esperança, onde todos temos lugar.