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Nos últimos meses, uma nova estrela surgiu no firmamento das tendências gastronómicas do Instagram e do TikTok: o famigerado chocolate do Dubai. Com um aspeto reluzente, em algumas versões com folhas de ouro comestível, recheio cremoso e pistáchios meticulosamente encaixados, este chocolate tornou-se símbolo de exclusividade e ostentação. Mas por trás do brilho e do apelo visual, há uma questão incontornável: faz isto sentido - enquanto produto, enquanto tendência (que não é, para os que sabem de tendências isto nem é uma moda, é apenas uma onda) e enquanto promessa de marketing?
É que se olharmos com atenção, o rei vai nu. É como abrir uma arca dourada e encontrar lá dentro... um bombom com síndrome de influencer: bonito por fora, vazio por dentro.
Antes de mais nada, vamos falar de geografia. O Dubai é um emirado onde a areia é mais abundante do que a água, e onde o sol, por vezes, chega a derreter a vontade de viver, quanto mais chocolate. Não há produção local de cacau, pistáchio ou leite. Tudo é importado. O pistáchio vem do Irão ou da Califórnia. O cacau da Costa do Marfim, do Gana, da América Latina. E o leite, em muitos casos, chega em pó.
Mas nada disto parece importar. O que realmente importa é o storytelling, essa poderosa ferramenta de marketing que, quando bem usada, transforma o ordinário em extraordinário. E aqui, os criadores desta tendência fizeram um trabalho digno de estudo académico: pegaram num produto globalmente conhecido, adicionaram elementos visuais apelativos, uma pitada de exclusividade (limitado, difícil de encontrar, caríssimo) e venderam ao mundo a ideia de que este chocolate representa o luxo em estado puro.
O resultado? Milhões de visualizações, encomendas para presentes de casamento, Páscoa e talvez para o Natal, e consumidores sedentos por fazer parte de algo aparentemente “único”.
Este fenómeno expõe uma realidade contemporânea: há cada vez mais consumidores que não compram para usufruir, mas para mostrar que compraram.
Vivemos numa economia de atenção, onde o valor simbólico de um produto supera muitas vezes o seu valor funcional. Não interessa se o chocolate é realmente delicioso. Interessa que brilhe. Que seja raro. Que provoque inveja digital. O chocolate do Dubai não é um produto alimentar, é um acessório de estatuto.
Este tipo de consumidor não procura uma experiência sensorial, procura uma validação social. O prazer não está na degustação, mas na reação: nos likes, nos comentários, nos “onde compraste isso?”, no “também quero experimentar”.
É uma extensão moderna da lógica do luxo: o produto vale o que representa, não o que é.
O sucesso deste chocolate deve-se à construção de uma narrativa sedutora, que junta ingredientes exóticos, um nome geograficamente poderoso (Dubai vende), uma embalagem que parece saída de um filme de Aladino versão couture, e uma boa dose de escassez percebida.
E é aqui que reside a genialidade... ou o perigo.
Quando o marketing é bem feito, cria desejo. Mas quando é apenas bem embrulhado, sem substância por trás, cria frustração. A expectativa é elevada ao máximo, mas a entrega raramente acompanha. E quando o consumidor perceber que o chocolate é apenas… chocolate, a magia pode desfazer-se.
Este é o risco de construir marcas exclusivamente sobre imagem. Falta-lhes raiz, consistência, autenticidade. São fogos de artifício: deslumbrantes, rápidos, esquecíveis.
Do ponto de vista da construção de marca, o chocolate do Dubai é um exemplo fascinante. Mas também serve de alerta. Porque o marketing não vive só de promessas: vive da capacidade de entregar valor real.
Quando a expectativa é que se vai comer algo “como nunca antes provado” e o sabor é semelhante a uma trufa com pistáchio e cobertura de brilho alimentar, o consumidor, mais cedo ou mais tarde, vai sentir-se enganado.
E o que começou como um presente especial ou uma auto-oferta luxuosa, pode transformar-se em desilusão. Afinal, por muito que brilhe por fora, um chocolate é sempre julgado pelo que acontece no primeiro segundo em que toca na língua. E aí, o feed não pode ajudar.
E em Portugal, quem é que pediu isto?
Vamos ser honestos: ninguém em Portugal acordou a meio da noite a pensar “preciso urgentemente de um chocolate com folha de ouro do Dubai”. Isto não é um desejo nacional, é um capricho de algoritmo.
Em Portugal, onde o sabor ainda manda mais que o branding, esta moda entra de lado, tropeça na calçada e leva com uma rabanada na testa.
Somos o povo do pastel de nata estaladiço, da broa com marmelada feita pela avó, da tablete Regina com sabores suspeitos mas nostálgicos, da torta de laranja pegajosa, e da neta que traz um Ferrero Rocher da prateleira do Pingo Doce e ainda ouve “isto sim é chocolate!”.
O nosso luxo é feito de memória, de cheiro a forno a lenha, de dedos lambuzados de leite condensado, e não de chocolate embrulhado em folha dourada que parece ter saído da montra de uma ourivesaria de aeroporto.
Aqui, o pistáchio ainda é olhado com desconfiança. Se vier numa sobremesa, tudo bem - desde que não substitua a amêndoa caramelizada da festa da terra. E se custar 15€ por unidade, alguém há-de perguntar: “mas isto não dá para fazer em casa com um bocadinho de miolo e chocolate Pantagruel?”
A verdade é que o português até aprecia o requinte, mas não gosta de ser enganado com lantejoulas gourmet. Se paga caro, quer sentir na alma e no céu-da-boca. Porque para nós, comida boa não é a que se publica: é a que se repete.
O chocolate do Dubai é um produto do seu tempo: feito para ser partilhado digitalmente, não saboreado em silêncio. Representa o triunfo da embalagem sobre o conteúdo, da estética sobre a essência, do “parece” sobre o “é”.
E se há uma lição para as marcas e para os profissionais de marketing, é esta: a promessa tem de ter sustento. Porque o consumidor pode ser influenciado uma vez. Mas se a experiência não corresponder, não volta. E, pior, fala. Comenta. Publica.
No fundo, o que o chocolate do Dubai nos ensina é que não basta brilhar. Tem de saber a alguma coisa.
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